sábado, 9 de outubro de 2010

Darcy e a reinvenção da universidade brasileira

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Essa reportagem ganhou em primeiro lugar no Projeto Integrador de Jornalismo (2º Semestre) do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB) no 1º Semestre de 2010. Foi criada e editada por mim (Paulo Eduardo Lannes Souza), Gabrielle Garcia Soares e Ana Paula Almeida, todos alunos do IESB.
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Não é possível falar em Universidade de Brasília sem falar em Darcy Ribeiro. Esse é o nome do principal campus da UnB. Ele também foi um dos principais pensadores modernistas do Brasil e o principal responsável pela criação da UnB. Seus pensamentos marcaram época não apenas no Brasil, mas como em toda América Latina. Essa marca é tão forte que até hoje suas idéias são atuais, sendo bastante aclamado pelos estudantes e educadores da atualidade.

Notoriamente esquerdista, acabou por ser constantemente perseguido durante a ditadura militar no Brasil. Isso fez com que a chama de suas reformas universitárias fosse apagada à força. Desde a redemocratização brasileira, tem havido uma retomada desses pensamentos modernistas. Entre trancos e barrancos, o ressurgimento das idéias “darcyanas” tem trazido bons resultados, mas em uma nova realidade, elas tiveram que se reinventar.

A semente do saber
Na década de 60 surgiu no Brasil e na América Latina um movimento de intelectuais que analisava criticamente as universidades. Havia há muito tempo que as universidades precisavam ser reformadas e os pensadores modernos se reúnem para repensar um novo modelo educacional, gerando assim uma Reforma Universitária. Em meio a esse turbilhão, surge Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, dois dos grandes educadores da época.

Como no Brasil não havia universidades com um grande repertório de artistas, cientistas e educadores. Para Darcy, deveria nascer “universidades-semente”. Elas seriam livres para ousar e inventar novos modelos, sendo universidades experimentais, diferente das “universidades-fruto”. Que eram as antigas que estavam renascendo, como a Sorbonne, na França. Na cabeça de Darcy, funcionava a seguinte lógica: para que o fruto nasça, primeiro temos que semear a terra. Seguindo essa lógica, as “sementes” teria uma liberdade e ousadia que as “fruto” não tinham. No Brasil, até que existia a Universidade do Brasil, que seguia esse modelo, mas que não tinha uma ambição de se integrar com outras universidades, acabando por não espalhar suas idéias pelo mundo afora.

Muitos dos pensadores brasileiros estavam descontentes com a “caretice” dos modelos universitários. Darcy Ribeiro fazia parte desse grupo. Unindo sua experiência como pesquisador e sua raiva das velhas estruturas, passou a ousar no campo educacional, fazendo a seguinte pergunta: Universidade para quê?

Partindo deste questionamento, fez uma revisão do significado de universidade e como ela poderia ser aplicada no campo do saber e da vida. Assim, as universidades, que antes não passavam de um aglomerado de cursos superiores, deveriam se unir e começar a interagir uma com a outra. Então, Darcy propôs aos estudantes que montassem seus currículos, transformando-os em cidadãos que pudessem contribuir nos assuntos complexos da sociedade, que precisavam ser solucionados com as mais variadas habilidades. Ele acreditava na criação de cursos de integração cultural, obrigatórios para quem quisesse conhecer um pouco de tudo e ser um generalista nato. Simultaneamente, sugeria uma abertura permanente dos cursos, para que os já formados pudessem retornar e se atualizar.

Apesar de ser bastante utopista, Darcy não era idealista. “Idealista é aquele que pensa coisas que não tem contato com a realidade. Nas coisas de Darcy, havia muito contato com a realidade, a única diferença é que ele pensava à frente.” diz Cristovam Buarque, senador, renomado educador e amigo de Darcy Ribeiro.

“Faça-se a luz”

Ainda nos anos 60, Brasilia nasce. Sim, a cidade nasce no momento em que acontecem os movimentos de intelectuais no mundo. Sabendo que o presidente brasileiro da época, Juscelino Kubitschek, queria construir uma “cidade nova, com gente de mentalidade renovada, sem nenhum complexo de inferioridade colonial e sem nenhuma subserviência classista”, o modelo de universidade imaginada por Darcy Ribeiro e seus pensadores modernistas entrou como uma luva. Nesse contexto, a Universidade de Brasília nasceu.

Primeiramente, na UnB, o sistema de cátedra caiu por terra. Não haveria mais professores agindo como deuses. “O projeto de Darcy veio para quebrar essa hegemonia do saber, que era distante de um fazer. É um modelo pedagógico muito diferente.” Diz Cristina Madeira, atual coordenadora pedagógica da UnB. Assim surgiu a criação dos departamentos como unidade mínima acadêmica, ligando professores, funcionários e alunos. Nessa reforma surgiu também o sistema de créditos, que foi capaz de unir ensino e pesquisa e colocou a pós-graduação como atividade regular da universidade. Tamanha é a importância da pós nos dias de hoje, que se tornou pré-requisito para qualquer estudante, trazendo um novo nível para a educação brasileira.

Como pioneira da pós-graduação, os alunos, durante o curso, atuavam como instrutores e ajudavam os professores a darem aulas de graduação, criando assim um sistema eficiente e independente. “O curso de medicina não iniciou aqui, no plano piloto. Começou em sobradinho porque todo o trabalho, disso que a gente tem hoje como gestão de saúde comunitária, era o modelo de medicina da época.” diz Cristina, mostrando o quanto era importante a ligação da prática com a teoria aprendida. Essa integração levou o nome de método keller, responsável por formar uma ligação entre aluno e professor. Esse método trouxe como vantagem, a institucionalização da carreira de docente, o que não existia até essa época. “Ele mostra também como o ensino superior ajuda a formar a educação de ensino base, ajuda na economia, ajuda a sociedade e ajuda a cultura.” diz Cristovam Buarque.

Na estrutura física da universidade, havia sido construído o primeiro Instituto de Teologia Católica após a Revolução Francesa e a primeira Faculdade de Comunicação de Massa, que ligaria jornalismo, publicidade e propaganda, televisão, rádio e cinema. Numa época em que a televisão havia acabado de chegar ao país, essa nova estrutura se mostrou altamente revolucionária. Isso catapultou a UnB para um dos centros educacionais mais importantes do Brasil. Se Kubitschek queria que o progresso do país avançasse cinquenta anos em apenas cinco, Darcy mostrou como isso pode se tornar realidade.

Em Brasília, por toda a sua jovialidade, havia uma forte ligação entre a cidade e a universidade. Muitos dos professores haviam participado da construção da capital e da formação de uma sociedade brasiliense. No topo da lista se encontram Oscar Niemeyer (arquiteto), Athos Bulcão (artista plástico) e Vladimir Carvalho (cineasta). Em detrimento, houve uma preocupação com o dia a dia brasileiro, buscando soluções para as deficiências da sociedade e saindo do campo acadêmico. Assim, a cidade não seria responsável apenas por inovar no campo arquitetônico e no campo urbanístico, mas também no campo cultural, com a UnB. De fato, o sucesso se mostrou tão estrondoso que outras universidades (até as mais antigas e bem conceituadas) começaram a rever seus métodos de ensino e a se modificar, adequando-se a uma nova realidade.

A Mancha Negra

Durante a Guerra Fria, os estadunidenses mexeram com a cabeça dos brasileiros, influenciando-os em suas vidas. Como a base da vida é a educação, era de se esperar que houvesse uma reforma brusca no ensino da época. Surpreendentemente, os jovens e os estudantes se levantaram contra essas mudanças. Organizados pela UNE, não ficaram parados diante dessa tentativa de controle.

Na UnB, essas manifestações chamaram atenção pelo espaço físico da universidade, que, com o grande campus que havia, contribuiu para integrar os estudantes e fortalecer o movimento político estudantil. Assim, a UnB deflagrou sua primeira greve ainda no ano de sua inauguração, em junho de 1962. Isso viria a criar uma imagem negativa da UnB: a de que ela era um reduto de jovens marxistas.

Em 1964, o golpe militar se mostrou uma verdadeira surra para a universidade e seus projetos modernistas. Ela passou a ser vista como um símbolo de subversão que precisava ser combatido. Então, os militares começam a interferir na vida acadêmica, buscando suspeitos ligados ao comunismo. Chegaram a atear fogo no Instituto de Teologia e desmantelar a Faculdade de Comunicação de Massa.

Um ano depois, duzentos e dez professores se demitiram voluntariamente (cerca de 80% do corpo docente), num claro protesto à pressão exercida na universidade. Isso aconteceu em 1965. A universidade havia sido inaugurada há três anos e ainda estava em construção. Além de não ter gerado um tempo lucrativo, tudo que havia sido plantado se perdeu. A árvore que era a UnB havia se tornado estéril, entrando em uma crise profunda.

O período negro da universidade se afirmou quando chegaram os novos professores no ano seguinte. Antes, o corpo docente consistia na nata da ciência e das artes. Os novos professores estavam apenas preocupados com a renda salarial e com a manutenção da opressão militar no campus. Até o reitor não tinha nem idéia das propostas educacionais de Darcy Ribeiro. Novamente, os estudantes iniciam uma greve que fortaleceu ainda mais o movimento estudantil. Dessa vez, as tropas invadiram a UnB e vários estudantes foram presos no Teatro Nacional. Nunca alguém havia enlameado tanto a cultura que estava sendo construída na nova capital.

Em 1968, uma nova manifestação surge na UnB. E essa será capaz de mudar o rumo da história brasileira. De acordo com o filme “Barra 68” de Vladimir Carvalho, essa greve teria sido o estopim para a implementação do AI-5, responsável por vetar todos os direitos de cidadão existentes na época e fechar o Congresso Nacional. Iniciando uma onda de terror, muitos estudantes foram presos e pessoas desapareceram, outros optaram por se exilarem em no exterior ou simplesmente calaram suas opiniões. Honestino Guimarães, famoso líder estudantil da época, foi dado como desaparecido e a UNE se torna clandestina. E Darcy Ribeiro viu seus projetos desaparecem e a universidade se transformar em mais um centro de “paus-mandados”, acabando por se exilar, junto com muitos outros modernistas.

Com a queda da força estudantil e o exílio dos grandes reformadores, a UnB se transformou em um campo livre para os militares. Então o novo reitor, oficial da marinha, José Carlos Azevedo, inicia diversas construções no campus universitário, contando com o apoio financeiro do governo. Seguindo o discurso militar no qual as palavras-chaves eram “eficiência e progresso”, a UnB se viu em uma nova reforma universitária.

Nessa reforma, voltou a vigorar o sistema catedrático e foram criados institutos e departamentos fantoches, comandados pela mão de ferro dos militares. Mas, no final das contas, essa nova reforma não passou de uma farsa ao nascer com a liberdade castrada e com renovações de modelos a partir de conceitos já abandonados, por se mostrarem falsos e ineficientes. “(...) a UnB estava envolta por um clima de medo, professores vigiados (...). Estudantes intimidados, ameaçados em sua ânsia de indagar, (...) obrigados a conviver com delatores e agentes disfarçados dentro de salas de aula.”, conclui Beto Almeida, ex-aluno da UnB, no blog “Independência Sul Americana”.

Mas como nem tudo são espinhos, houve algumas medidas educacionais que funcionam até os dias de hoje. Como diz Cristina Madeira, “Há uma transição muito grande para a universidade e cria-se um projeto político educacional de departamento, modelo de Gestão coletiva que até hoje faz parte da gestão da Universidade. Nessa época, (...) o modelo da UnB se institucionalizou.”. As palavras de Cristina são confirmadas pelo filme “Barra 68” que mostra a universidade confusa, em meio a seu punhado de idéias e manifestações.

Com a ditadura, a UnB se afirma, deixando de ser “clandestina” e se tornando realmente uma universidade federal. Nessa época, nasceu a unificação do vestibular por região, limite no número de vagas, ingresso por classificação, curso básico que reúne várias disciplinas e a dispersão da graduação. E, até hoje, esses modelos se mantém.

Na UnB, mesmo diante dessas transformações, a falta de liberdade tornava o ambiente irrespirável. Em 1977, houve o último levante de alunos e professores, que (novamente) foram reprimidos. Vários líderes foram presos, sufocando de vez o movimento estudantil. Mas, Beto Almeida mostra que o espírito de luta dos estudantes não morreu: “Em maio de 1977 (...) vencem as teses de que a universidade não pode nem deve ser separada da sociedade, das lutas dos trabalhadores e que deveria servir ao povo brasileiro.”.

Renascimento do saber

Com a queda da ditadura militar em 1985, a redemocratização não atingiu apenas o plano político, levando mudanças também para os da cultura e educação. A realidade já é outra e os antigos planos de Darcy Ribeiro não caberiam mais. Não totalmente. “As bases que Darcy Ribeiro tinha da universidade a serviço da população, da liberdade, sem preconceitos e multicultural cabem. Mas tivemos que adaptar. A UnB era (...) muito nacional. Hoje não. Ela tem que ser internacionalizada.” diz o senador Cristovam Buarque.

Além de senador, Cristovam foi o primeiro reitor da UnB pós-ditatorial. Ao assumir a reitoria, entendeu que as idéias de Darcy ainda eram atuais, mas que precisavam ser reformuladas. E foi isso que ele fez. “A minha idéia é que a Universidade deve ser tridimensional, dividida por departamentos. Foi assim que o Darcy Ribeiro também pensou.” diz ele. Da mesma forma, afirma Beto Almeida ao dizer que “A semente da Universidade Necessária jamais morreu. (...) Várias gerações de estudantes resistimos, enfrentamos (...) para que o Brasil chegasse a ser o que é hoje, quando possui (...) instituições de ensino superior de cunho transformador, universidades necessárias”. Sobre as adaptações que ocorreram, Cristovam disse-nos que “A diferença é que defendo, também, que devem ser divididos por grupos temáticos (...). Nesses mesmos núcleos você põe pessoas de profissões diferentes trabalhando nos mesmos temas.”.

Dentre os principais projetos educacionais que foram adaptados, temos o de “ensino e pesquisa integrados” que se transformou no que hoje é o tripé da UnB. Nesse tripé, o ensino, pesquisa e a extensão se interligam, sendo complementares, mas também independentes. “O que a gente sabe que hoje é extensão cabia naquele projeto político pedagógico. (...) A formação do futuro profissional passava por uma experiência que era mais próxima da comunidade onde o profissional iria atuar.”, diz Cristina Madeira mostrando as semelhanças entre o projeto atual e o original de Darcy Ribeiro.

Com a recuperação da liberdade de expressão, foi possível identificar todos os erros e acertos que a ditadura militar produziu. “A Universidade Brasileira ficou com o mesmo número de alunos durante décadas. Havendo uma pressão muito grande para criar vagas. A solução foi o surgimento dos cursos particulares que (...) cresceram ao longo do tempo. Nisso, a crise das Universidades aumentou, ainda mais por falta de dinheiro, e por conta de greves e mais greves, fortalecendo cada vez mais o ensino particular. (...) A UnB está pagando um preço alto por isso.”, conclui o senador Cristovam.

Então, o que temos hoje é uma tentativa de retorno dos projetos “darcyanos”. Esse retorno está acontecendo de forma ousada, sendo aplicadas na universidade para serem experimentadas. Por exemplo, a UnB se tornou pioneira no sistema de PAS (programa de avaliação seriada) e no de cotas para negros e indígenas, que arrancaram elogios pelo Brasil afora.

Com o PAS, outro discurso de Darcy se torna realidade ao integrar a universidade com o ensino médio. Assim, os jovens passam, desde cedo, a conhecer as propostas de uma universidade e a pensar sobre seu futuro profissional.

No sistema de cotas, acontece a integração entre grupos étnicos (negros e indígenas) ao campo universitário. São lhes dado uma oportunidade que poderia nunca acontecer sem o tal sistema. Os indígenas, apesar de grandes dificuldades, poderão usufruir das últimas descobertas do mundo “moderno” e levar para a sua tribo, principalmente se for da área médica. “Como uma universidade criativa que se propõe a avançar algumas idéias, a inovação e criatividade é um dos princípios que rege a Universidade de Brasília. Existem as questões controvérsias (...), mas a UnB não se omite em fazer um enfrentamento, gerando um grupo de discussão, como num projeto de política pedagógica.”, conclui Cristina Madeira.

Um beijo para Darcy Ribeiro

Graças aos seus ideais educacionais, muito do Brasil e do mundo foi modificado para melhor. É mais que óbvio que uma pessoa como ele teria muitas homenagens pelo mundo afora. E realmente teve. Além de levar o nome do campus mais movimentado da UnB, é também nome no campus da Universidade Estadual de Montes Claros. No Rio de Janeiro, há uma universidade chamada Darcy Ribeiro (é a antiga Universidade Estadual do Norte Fluminense, idealizada pelo próprio Darcy). Por sua vida profissional, ganhou também o título de Doutor Honoris Causa nas universidades de Brasília, Montevidéu (Uruguai), Copenhague (Dinamarca), Venezuela Central (Venezuela) e Sorbonne (França). Por fim, em 1992, cinco anos antes de sua morte, ocupou uma cadeira na Academia de Letras Brasileiras.

Hoje, com o intuito de homenagear Darcy, está sendo construído um memorial no campus da UnB que levará o seu nome. Esse local já tinha sido planejado por Darcy e abrigará todo o seu acervo histórico. Além de ser um local de estudo, terá também um anfiteatro. Como ele mesmo dizia, será um local perfeito para o encontro de amigos e de namorados, sendo apelidado de “Beijódromo”.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Cataratas de sonhos - Parte IV (Final)

Depois da usina, resolvi voltar às cataratas e fazer um passeio diferente chamado Macuco Safári. Nesse passeio, eu e mais um grupo de pessoas entramos num bote motorizado e com salva vidas, nos aproximamos das Cataratas. O guia pirado literalmente nos colocou embaixo daquele aguaceiro todo. Saia água até pelos ouvidos! Emocionante e congelante. Muito bom. Mas o que valeu mesmo foi o grupo. Tinham pessoas dos mais diversos países como Espanha, EUA, Coréia (não sei qual), Argentina e México. O mais engraçado é que ninguém sabia falar outra língua a não ser a sua própria e mesmo assim, todos se entenderam perfeitamente. Ou seja, posso ter ido viajar sozinho, mas não fiquei solitário por nenhum momento. Mas vale ressaltar, a galera do Macuco Safári brasileiro é bem mais sociável e heterogênea do que a dos Argentinos.


Como passeio final, fui ao marco das três fronteiras. Como havia dito antes, Foz fica no ponto de encontro entre Brasil, Paraguai e Argentina. Nesse local tem um mirante com um pequeno obelisco pintado de verde e amarelo. O mais legal é que desse mirante é possível ver o mirante paraguaio (pintado de vermelho e branco) e o mirante argentino (pintado de azul e branco), sendo os três separados pelo encontro dos rios Iguaçu e Paraná. Na época em que fui, estava sendo construído o que seria o mais alto mirante do Brasil, em uma torre com o topo em forma de óvni (se é que vocês me entendem).

Mas lá também tinha outra coisa que me chamou tanta atenção quanto o mirante: o mural contando a história do nascimento das cachoeiras de Iguaçu. É uma daquelas clássicas histórias indígenas de amor impossível, mas que merece ser contada. Dizia-se que uma serpente gigante (espécie de deus) chamada Mboi vivia no fundo do rio Iguaçu e, para que a mesma ficasse contente, a tribo Caiangue lhes ofereciam as mulheres mais belas da aldeia. No meio de toda essa história, a índia mais linda da aldeia, chamada Naipi, que seria a próxima oferenda a Mboi, foge com o seu amado Tarobá de canoa pelo rio. A serpente, enfurecida, criou uma fenda no rio de onde a água começou a cair, levando a canoa para o fundo do rio. Assim, Naibi se transformou na maior rocha que fica no meio da cascata e Taborá se transformou em uma árvore que fica no topo da cachoeira. Assim, os dois poderiam se olhar sempre, mas jamais poderia se tocar novamente e Mboi, ainda apaixonado pela índia se mantém no fundo do rio, a vigiando. Essa história não tem bases verídicas, mas demonstra bem o espírito do local. Emocionei.
Então assim termina a minha viagem, que no mínimo, se mostrou extasiante. As cachoeiras são imperdíveis, mas fazer todos esses passeios modificou a minha forma de ver o mundo para sempre. A mistura de povos é impressionante. As histórias locais são vivas e bem preservadas. E, até hoje, acordo ouvindo o poderoso som das cachoeiras caindo incansavelmente sobre Naipi e suas rochas vizinhas.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Cataratas de sonhos - Parte III

Depois de ter visto aquilo tudo, tomei uma decisão. Iria fazer TODOS os passeios possíveis naquele lugar. Já vi que não aconteceria mais uma ida ao cassino e que mesmo assim voltaria com os bolsos pesados (de dívidas, é óbvio). Então assim, parti para o Parque Nacional Iguazú, no “lado argentino” das Cataratas.

Estava com medo de achar repetitivo, mas não. Eu vi as Cachoeiras por outro lado, ou melhor, por CIMA delas. Eu não conseguia ver o fundo das cataratas em meio às névoas eternas causadas pelo vapor d’água, mas conseguia sentir toda intensidade daquele rio descendo por água abaixo (literalmente).

As passarelas argentinas ainda possuíam histórias. Além de serem (beeeeem) mais compridas que as brasileiras, muitas delas já foram devastadas pelas enchentes do passado, sendo que algumas já chegaram a provocar mortes! Mucho Loco!

Aproveitando que já tinha conhecido aquelas águas, resolvi conhecer a origem delas: a Usina Binacional Itaipu. Eu já sabia que a construção daquela que já foi a maior usina hidrelétrica do mundo havia modificado completamente o curso das águas da região. Inclusive, há certo saudosismo com relação às Sete Quedas, que desapareceram com a tal usina. Não tem como dizer que a mudança foi horrível para a região, mas não dá para esquecer os estragos feitos na natureza local.

Apesar de tudo, a Itaipu tem um programa bastante inovador. Para começar, a usina é parte de um contrato que a divide entre o Brasil e o Paraguai. Tudo lá é dividido mesmo, inclusive os trabalhadores (50% são brasileiros e 50% são paraguaios), mas o mais curioso é que a região em volta da usina não pertence a NENHUM país. É como se fosse uma zona neutra e internacional. Outra curiosidade é que a cada trabalhador que é contratado lá, deve plantar uma árvore, com direito a plaquinha com nome e tudo mais. Muito show.

Chegando naquele monumento de concreto, podia escolher entre dois tipos de visita, a turística e a técnica. Eu iria fazer a técnica, mas soube que era extremamente profissional (e eu realmente passo longe da engenharia) e demorado, então fiquei com a turística, e não me arrependi. Passamos por cima, passamos por dentro e tudo mais. Tudo muito grande e incrivelmente calmo.

Aquelas águas paradas chegam a ser assustadoras. Mas o interessante da usina é o Canal da Piracema. É por lá que passam todas as espécies de animais marinhos, mostrando que a usina estava sim, se preocupando com a natureza local. Muito bom. O passeio valeu demais!

domingo, 8 de agosto de 2010

Cataratas de sonhos - Parte II

Depois, para fazer um passeio completo e especializado, contrato uma empresa pra me carregar e me explicar tudo. Como era fora de época de turismo, ficou uma Combi inteira a minha disposição e um guia particular. Bom demais. Primeiro passei no famoso parque de aves e realmente foi magnífico. O diferencial é que você entra na jaula onde se encontram. E elas são espaçosas e bastante arborizadas. O espetáculo foi exótico. Flamingos rosados se paquerando em espelhos (falava-se que os espelhos serviam para multiplicá-los e assim lhes dar mais segurança). Macucos andavam por todos os lados. Eles são donos dos ovos mais lindos do mundo. Tais ovos que eu NÃO vi em nenhum lugar, mas dizem que eles são de um roxo brilhante. Devem ser, né? Tucanos malditos comendo pedaços da minha bermuda. Araras lindas com aquelas garras que deixaram marcas eternas no meu braço. Cobras esguias e linguarudas rodopiando meu corpo. Foi realmente divertido. E um pouco assustador.
 
Depois de tantos animais, partimos para o grande objetivo da viagem, ver as famosas e ditas como as mais lindas cataratas do mundo: as Cataratas do Iguaçu. Chegando ao Parque Nacional do Iguaçu, percebi algo peculiar. O hotel resort das Cataratas fica lá dentro. Como assim? Uma hospedagem particular num território federal e Patrimônio Natural da UNESCO? Bem ou mal, o prédio ao menos era bonito e integrava bem com o local.
Vamos adiante. Começo a descer as longas passarelas e escadas no meio do mato e nada de água. Só o barulho bem ao fundo. Até que um quati começa a pular de um lado pro outro, em volta de mim. Se eu achava que não teria que lidar com mais nenhum animal, me enganei profundamente. Aquele bichano bonitinho se mostrou uma verdadeira peste enquanto tentava saquear minha mochila. E claro, o guia só rindo e tirando fotos. O que mais ele poderia fazer?
Mas graças ao pequeno mascote do parque, tive uma das imagens mais bonitas que já havia tido até o momento. Ao tentar puxar minha mochila pro chão, me agachei para me esquivar dele e assim pude ver pela primeira vez as cataratas, numa posição que nunca tinha visto em fotos. Era como se eu tivesse acabado de encontrar o Eldorado! Parecia intocável pelo homem, lindo e perfeito como deveria ser.

Chegando ao final das passarelas, estava completamente ensopado pelos respingos da cachoeira, surdo pelo som das forças das águas, tremendo pelo frio das águas e com os olhos brilhando diante tantos arco-íris que já tinha visto. Nem a Parada Gay tinha tantas cores juntas e misturadas.
E a quantidade de cachoeiras? É como se a água do mundo inteiro estivesse desembocando naquele lugar! Aquele barulho jamais sairá da minha memória. Nunca pensei que seria tão magnífico.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Cataratas de sonhos - Parte I

Foz do Iguaçu. A beleza das cataratas e a história do local são tão subestimadas que torna a viagem de qualquer um, no mínimo, inesperada. E essa foi a primeira vez que viajei completamente sozinho. Lá me hospedaria na casa de familiares que não conhecem nem meus pais, mas que estavam dispostos a conhecer um carioca da família, tão incomum entre nós. Lá encontrei os mais diversos tipos de pessoas, ainda mais pela cidade estar no ponto de encontro entre três países (Brasil, Paraguai e Argentina), o que deixou tudo mais divertido e exótico.

Minhas surpresas já começaram no aeroporto. Mesmo pequeno e localizado em uma cidade com menos de 400 mil habitantes, é um dos aeroportos mais movimentados do Brasil com vôos que vêm de todos os continentes do mundo. Mas também a sua posição geográfica não deixa a desejar: a cidade fica exatamente no centro da América do Sul! E claro, como não podia deixar de ser, ao sair do avião e entrar no aeroporto, o que tinha lá esperando pelos passageiros? Uma mulher fantasiada e seminua sambando ao som de um moreno rústico com jeitão de índio urbano. Cena cômica para os brasileiros, linda para os estrangeiros. Faz parte.

Meio paradona, a cidade conquista mais por sua beleza natural do que urbana. Apesar das ruas limpas e largas, não é de ter muita agitação (muito menos noturna). Na verdade, a cidade que faz sucesso mesmo é a Ciudad Del Este, no Paraguai. A travessia de um país para o outro acontece em uma ponte que pode ser usada tanto para carros quanto para pedestres. Apesar de curta, foi lá que vi as cenas mais engraçadas da viagem. Primeiro, ao olhar pelo Rio abaixo, é possível perceber barquinhos improvisados e pessoas com mochilões tentando atravessar o rio. Até há algum movimento da polícia, mas (como sempre) não é o suficiente para conter a galera. Na própria ponte é possível perceber mulheres levando bolsas gigantescas na cabeça (como se fossem baianas, só que provavelmente o peso da carga era BEM maior) e homens levando galinhas dentro das mochilas, as quais você só vê as cabeças e seus olhares espantados diante de toda aquela correria. Passado a ponte, o que você encontra é uma feira gigantesca, só que ao invés de barracas e camelódromos, são prédios inteiros usados para isso. Ao lado de um MP4 na marca “Sonya” e de um desodorante muito suspeito chamado “Roxana” você vê candelabros clássicos e pianos de cauda. É um barato (nem sempre, financeiramente falando). Saindo a noite, depois da parada obrigatória no Duty Free externo e gigantesco (o único que já vi sem ter um aeroporto por perto) vou ao único local digno de lotar minha noite inteira: o cassino Iguazú. Adoro toda aquela ostentação e a capacidade de entrar, ganhar dinheiro e sair com menos do que entrou. Isso sem contar aquela falta de coragem de jogar (pra perder, obviamente) um poker com aquelas pessoas extremamente sérias e assustadoras (e velhas, diga se de passagem).


sábado, 5 de junho de 2010

Entrevista com o senador Cristovam Buarque

31/05/2010

Realizada por mim e pela Ana Paula Almeida no café dos senadores, dentro do plenário do Congresso Nacional.

O assunto principal era: Projetos educacionais modernistas propostos por Darcy Ribeiro e implementado na UnB.


Repórter - Darcy Ribeiro influenciou na sua vida profissional?

Cristovam - Muito. Eu acredito que entre as pessoas que fizeram a minha cabeça, tirando parentes, colegas, livros e diretores de cinema e de teatro, quatro foram muito influentes: Josué de castro, Darcy ribeiro, Celso furtado e Ignácio Sax, que foi o meu orientador em meu doutorado. Mas Darcy Ribeiro, de uma maneira muito especial, me influenciou na visão de universidade que tenho, que é muito diferente da que muitos tem por aí. Ele me influenciou na visão do Brasil como uma nação em busca de um futuro e, querendo construir pontes entre as nações-estados, ele me influenciou muito no respeito a outras culturas, nesta idéia de que não existe uma cultura superior a outra, respeitando índios e negros. Eu não tenho dúvidas que Darcy Ribeiro foi uma das influências mais marcantes na minha vida, no aspecto intelectual.



Repórter – O senhor concordava com os pensamentos idealistas de Darcy Ribeiro?

Cristovam - Eu não diria que ele é idealista se você for por definição. Idealista é aquele que pensa coisas que não tem contato com a realidade. Nas coisas de Darcy, havia muito contato com a realidade, a única diferença é que ele pensava à frente. Se há algum idealismo nele, se pensar corretamente, é o de ele ver na frente e não ver no presente. Neste sentido, ele era mais um utopista do que um idealista. A Universidade de Brasília é uma realização concreta, e não apenas ele fez, como também seu modelo de universidade começou a ser copiado em muitos lugares do Brasil e do mundo. Então, diria ele é um homem que via na frente, mas que não era desvinculado da realidade.



Repórter - O Darcy Ribeiro fez um discurso no dia da sua posse que era chamado “Universidade para quê?”. O senhor se recorda do dia? O que achou do texto?

Cristovam – Lembro... Eu até publiquei o discurso. Acredito que seja fundamental para todos. Começa no título. As pessoas não perguntam para que a universidade, perguntam apenas como fazer universidade. Como era óbvio que ela é necessária, ele mostrou porque ela é realmente necessária. Mostrou que é um lugar a onde a gente forma o pensamento superior. Ele mostra também como o ensino superior ajuda a formar a educação de ensino base, ajudar na economia, ajudar a sociedade e ajudar a cultura. Então ele mostrou para que a universidade e ao mostrar o para que, mostrou implicitamente o para não que a universidade. Como, por exemplo, ela é parte de uma elite intelectual. Hoje ela é uma elite para trabalhar para todos e não só para a própria elite, entende? A universidade é para quem hoje em dia a faz. Por exemplo, forma jornalistas que vão trabalhar apenas para reproduzir a mesma maneira de dar notícias. São muitos os que existem para descobrir escândalos da mesma forma que um garimpeiro descobre brilhantes.



Repórter – O senhor foi o primeiro reitor da UnB após a ditadura?

Cristovam – Sim.



Repórter – Havia algum projeto de educação de Darcy ribeiro implantado na UnB?

Cristovam – Sim. Veja bem, Darcy Ribeiro implantou vários projetos porque foi ele quem criou a universidade em 61. Só parou em 64. Aí houve uma interrupção que pudemos retomar em 85. Conseguimos retomar muitas coisas antigas e implantar muitas coisas novas, porque o mundo mudou muito neste período e mudou, ainda mais, nestes últimos 20 anos. Não recuperamos o desenho que ele tinha, sobretudo naquilo que eu chamei de “universidade na encruzilhada”, que não está no livro dele. A minha idéia é que a Universidade deve ser tridimensional, dividida por departamentos. Foi assim que o Darcy Ribeiro também pensou. A diferença é que defendo, também, que deve ser divididos por grupos temáticos, problemas, núcleo da fome, núcleo do Brasil, núcleo da energia. Esses núcleos são temas, profissões como engenharia, medicina e farmácia. Nesses mesmos núcleos você põe pessoas de profissões diferentes trabalhando nos mesmo temas. Eu por exemplo, agora eu dou aula não no departamento de economia, eu dou aula no núcleo de desenvolvimento sustentável que tem tanto pessoas de profissões bem diferentes como as de economia. Além disso, eu defendo que haja os núcleos culturais, como o núcleo dos poetas, dos tutores, dos músicos, etc. Na UnB tem um departamento de música com os profissionais da música e tem o núcleo cultural da música com os que tocam porque gostam de tocar. Nesse núcleo há engenheiros e médicos que tocam. Com isto cada pessoa pertenceria a vários núcleos. Essas pessoas podem ser representadas como um cubo. Isso eu implantei em 85, quando me tornei reitor. E está funcionando até os dias de hoje, mas foi abandonada. Não há uma manutenção, mas ainda existe um número muito grande de núcleos temáticos. Isto não estava na visão do Darcy Ribeiro, sendo uma contribuição completamente minha.



Repórter - Como o senhor avalia a UnB no momento em que se tornou reitor? E nos dias de hoje, acredita que ela evoluiu?
Cristovam - Veja bem, a UNB continua sendo uma grande universidade, mas hoje está numa crise profunda, como todas as outras universidades públicas. Creio que, por um lado, isso aconteceu porque a universidade pública não foi capaz e nem recebeu apoio suficiente para incorporar toda a demanda de jovens brasileiros que queriam entrar na universidade. A Universidade Brasileira ficou com o mesmo número de alunos durante décadas. Havendo uma pressão muito grande para criar vagas. A solução foi o surgimento dos cursos particulares que, por as Universidades continuarem a não aumentar suas vagas, cresceram ao longo do tempo. Nisso, a crise das Universidades aumentou, ainda mais por falta de dinheiro, e por conta de greves e mais greves, fortalecendo cada vez mais o ensino particular. O ensino particular surge da falta de vagas e se consolida com a insegurança de ser aluno das federais. A UnB está pagando um preço alto por isso.

Repórter - O engraçado é que as melhores faculdades do mundo são particulares e não públicas. Por que no Brasil é diferente?

Cristovam - No Brasil, o país tem uma minoria e uma maioria. O que é da maioria está abandonado e o que é da minoria está protegido. A Educação Pública é a abandonada, principalmente a educação de base, que é do povo. Criaram-se escolas particulares com educação de base. O estado dá subsídios para a Educação de base, descontado do imposto de renda. Quando foram criadas as universidades para o povo, ficaram sem vagas e aí tiveram que ir para as Universidades particulares, e esse é o maior problema. E da mesma forma que vale para a Universidade, vale pra saúde e vale pra tudo. Os outros países privilegiam a sua população em Geral.



Repórter - A ditadura Militar, além de interfirir no aumento de vagas, interferiu em mais alguma coisa?

Cristovam – A ditadura até aumentou o número de vagas, mas ela só expulsou quem não pensava como ela mesma. Então, perdemos muitos professores e alunos bons. Alguns foram embora de Brasília e outros foram assassinados, como o famoso caso do Honestino Guimarães, professor da UNB que desapareceu.



Outra repórter – a Ditadura, querendo ou não, parou com muita coisa; ela deu um freio em muitos pensamentos. Quando ela acabou, não só os alunos, mas o Brasil inteiro tinha aquela sede de mudança. Uma coisa muito nacionalista, muito intensa. Qual foi o desafio que o senhor teve ao assumir a reitoria? Pois o senhor tinha também que propor uma mudança...

Cristovam - O grande desafio a vencer era o corporativismo. É fato que, hoje, quando a universidade luta, luta por ela mesma e não pelo Brasil. Essa é a diferença do estudante de hoje para o estudante de antes. No meu tempo, a gente tinha varios ideais, queríamos lutar pela reforma agrária, pela independência e pelo desenvolvimento. Hoje, a universidade luta pelo salário.



Repórter - Hoje os jovens são desiludidos. Parece que as pessoas abandonaram todos esses ideais.

Cristovam - A culpa não é dos Jovens. A culpa é dos mais velhos que não formularam um ideal para que esta juventude acreditasse. Há também a desmoralização da política, que hoje fica restrita à corrupção e marketing. O Jovem cai na apatia ou na revolta, dos rebeldes sem calças.



Repórter - O senhor participou dos eventos e manifestações da UnB durante a ditadura?

Cristovam - Não, na ditadura eu não estava aqui, sou de Recife, me formei há muito tempo e morei nove anos fora do Brasil.



Repórter – Foi um exílio?

Cristovam - Não foi um exílio de ficar sem passaporte. Morei na França, onde fiz doutorado e depois fui trabalhar no Banco Interamericano. Depois morei no Equador, Honduras e nos Estados Unidos.



Repórter - Muito bem aproveitado este tempo, certo?

Cristovam - Sim, muito bem aproveitado. Não tenho o que reclamar desses nove anos. Depois eu resolvi voltar, não para Recife, mas para o que a gente chama de sul do país. Mas aí eu tinha um convite da Universidade do Rio de janeiro, da Universidade de Campinas e da Universidade de Brasília. Escolhi Brasília. Mas vim pensando em ficar dois anos e depois voltar para recife. Já fez trinta anos e ainda estou aqui.



Repórter – A sua posição política influenciou na sua gestão na UNB?

Cristovam - Claro. Agora se dissesse que isto me fez ficar optante lá, não. Dei apoio a todos. O que fosse bom professor teria o meu apoio, mas tenho uma visão própria do mundo e não poderia fugir disso. Por exemplo, a maioria era contra em abrir uma sede da UnB na Ceilândia, mas nós abrimos. Essa sede ainda tem curso universitário para extensão. Isso saiu também daquela idéia dos núcleos temáticos. Então é obvio que a minha visão política do mundo influenciou.



Repórter - Uma última pergunta. A visão de Darcy Ribeiro caberia na UnB hoje?

Cristovam - Exatamente igual não. As bases que Darcy Ribeiro tinha da universidade à serviço da população, da liberdade, sem preconceitos e multicultural cabem . Mas tivemos que adaptar. A UnB era uma Universidade muito nacional. Hoje não. Ela tem que ser internacionalizada. Ainda por conta da Internet. Agora, deixe eu me ir...

domingo, 11 de abril de 2010

A vitória encurta a queda

Quantas pessoas poderosas, ricas e famosas nós conhecemos e que se encontram em situações de extrema humilhação, as quais você jamais passaria? São maníacas ou doentes. Essas são as nossas respostas, que nos fazem virar a página e procurar a próxima celebridade para julgar. Mas essa não é a verdadeira resposta. Eles são humanos... Essa é a justificativa.

Ao atingir certo nível de beleza, você passa a não ser mais elogiado pelos próximos. Na verdade, seus menores detalhes começam a serem percebidos. E não só pelos outros, mas por você mesmo. Porque há tanto drama envolvido nessas pessoas de belezas estonteantes? É como se não soubessem aproveitar o maravilho corpo que poucos têm. Por que há tanta infelicidade no espelho que não cansa de dizer que você é belo?

Carreira e dinheiro estão sempre envolvidos. E não digo carreira somente profissional, mas sim naquela que chamamos de “status”. Mansões dignas de se transformarem em museus, vozes que balançam o mundo e inteligência que põem qualquer enciclopédia no chinelo. Por que a ganância sem fim, a busca pelo poder que se torna destrutivo (para si mesmo, inclusive)? Parece que todo o material que possuem não é o suficiente. Por que há tanto descontentamento diante do peso do ouro que você carrega?

A resposta é única. Porque todos são humanos. Quando as pessoas atingem certa excelência, a simpatia por elas diminui, sob a explicação que essas pessoas não necessitam dela. Mas a verdade é outra. Muitos dos que sobem ao máximo, querem mostrar ao mundo que são capazes fazer aquilo que querem. Mas é nesse momento que o sonho acaba. E o amor vai com ele. E ninguém vive sem os dois.

Sorria para todos, ouça os aplausos e deguste da felicidade dos outros em ter você um grande exemplo. E se contente com isso. Porque é só isso que você terá. Aguente a responsabilidade de que você é o melhor (ou, pelo menos, um dos melhores) e assuma essa posição. Você só verá o amor no espelho e a única coisa que te dará valor é a barra de ouro das suas mãos. E a esperança? Bem... Isso é para aqueles que a necessitam. E, provavelmente, essa esperança vai ser usada para o desejo das pessoas serem como você.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Tarde Demais

Esse foi um texto escrito por mim a dois anos atrás, em um momento de pura revolta. A tempos tento investir minha raiva em textos, mas apenas alguns são dignos de ser publicados. Esse eu gostei muito. Espero que gostem também.

Tarde Demais


Hoje foi uma terça como outra qualquer. Aula a manhã inteira, um almoço reforçado, uma boa caminhada com meu cachorro Ralph, uma malhada na academia e estudo mais no final da tarde. Apesar da normalidade, uma coisa me chamou atenção.

Estava eu dentro do Grande Circular, aquele ônibus que roda praticamente todo plano piloto, que pego todos os dias depois da aula, naquele solão e com um sono de derrubar um urso. Um homem idoso de pele morena, com poucos dentes, usando uma roupa simples, bem suja e desarrumada havia pedido para o motorista a permissão de entrar por trás (sem pagar a entrada) e assim poder fazer seu pedido de dinheiro ou oferecer algum objeto simples em troca de dinheiro ou passe. Com a minha boa leitura labial e curiosidade ao extremo, vi o motorista falando “Tudo bem, pode ir lá para trás.” com uma cara de nojo reprimida. O velho, em sua ingenuidade, começou a se dirigir pra trás por fora do ônibus, com um sorriso simples e desdentado, cheio de infelicidade e sofrimento. Nesse momento, o motorista dá uma arrancada no ônibus e parte, deixando o velho comendo poeira. Não se contentando com isso, ainda riu e disse “Dane-se esses velhos pidões.”.

Primeiro olhei para trás, vi aquele sorriso se desmanchando, formando uma expressão diferente, não de raiva ou ódio, mas de tristeza, de desesperança. Depois virei para frente com uma cara de indignado (o que muitos outros passageiros também fizeram) olhando para aquele motorista canalha e sem caráter. Novo, cheio de vida, um homem igual a mim, com 5 anos de diferença no máximo, agindo dessa forma com um idoso me fez refletir durante a essa viagem.

Por um momento, senti raiva de mim mesmo por nada ter feito por aquele homem de sorriso tão infeliz, mas percebi que não seria diferente. Alguma coisa deveria ter sido feita, mas antes. Aquele velho não podia estar numa situação dessas, destruindo sua honra, a qual trocaria até pelo trocado daquela balinha que uma pessoa esqueceu no bolso e não sente falta. Aquele motorista deveria ter aprendido não só a respeitar os próximos, mas sim ajudar os quando precisarem. E nós deveríamos ter aprendido a não ser passivos diante uma cena dessas.

Não vou falar que essa é a realidade brasileira. Essa é a realidade MUNDIAL. As pessoas precisam entender que nem tudo que foi aprendido antigamente deve ser jogado fora. Certos costumes e aprendizados devem ser mantidos ou até mesmo priorizados. Afinal, depois de jovem, da velhice não se escapa.

sábado, 20 de março de 2010

Juventude não se leva a sério

O que é ser jovem? É poder fazer tudo, mas não dever fazer nada. É ter que saber tudo, mas, no final das contas, não saber nada. É querer ter tudo, mas ter permissão de nada. O jovem não sabe o que é melhor para ele mesmo, não entende o mundo e não tem visão de futuro. É ser um mar de contradições. Contradições essas criadas pelos “adultos” e “maduros”. Tem que ser bonito, elegante e inteligente. Mas sabendo que beleza é o que menos importa, que o ideal é que você seja discreto (quase transparente) nas conversas e entender que os adultos sempre estão certos sobre os assuntos ditos como “cultos”.

Não importa quantos livros sobre a vida você leia e quantos filmes ou documentários você assista. A sua avó e aquela vizinha idosa que sabem qual é a realidade. Se prefere o cabelo arrepiado e acha que combina com amarelo, ótimo. Mas sua mãe sabe que cabelo de homem é para trás e o amarelo só se usa como pijama. Dados, estatísticas e pesquisas nada valem. Algumas vezes, é melhor que não se conheça muita coisa, você pode se tornar muito ousado. E ousadia não é elegante. Ousadia é coisa de menino “vagabundo”. Aquele que não tem o que reclamar, então tem que inventar algo.

Você sabe que a sua família é o caos, que todos se escondem, que a mascara do sorriso branco não é perfeita e que todos sabem disso, não importa. Você faz parte dessa família e tem o dever de carregar a mascara. Afinal, você não escolhe. É a que você tem e ‘ponto final’. Há ovelhas brancas e negras na família. Ninguém gosta da ovelha negra, mas todos a apóiam e dão toda a ajuda necessária. Se você é a ovelha branca, esqueça. Você não precisa de ajuda. Se rebelou? Coitado... Tá sozinho. Sim, família é pau para toda obra. Desde que você não faça nada de errado. Afinal, a culpa será sua. A família não pode se responsabilizar por você. Mas “sempre” conte com ela, pois se lembre do que eles sempre falam: amigos não duram, família sim. Ahã...

Quer trabalhar viajando ou ser artista e não quer casar e ter filho. Esse é o maior exemplo de jovem. Tá tudo errado. Esse trabalho é utopia. Coisa pra poucos. Para especiais. Faça um concurso e fique contente. Se der, você arranja uma horinha pra cuidar do seu sonho (que é uma grande besteira, ok?). Não quer casar? Ainda não se apaixonou. Vai aparecer uma menina e você vai babar por ela, esquecendo ‘tudinho’. Não quer ter filho? Não é você que vai decidir isso. Vai acontecer. Não adianta fugir disso. É a vida.

Religião? Há. Quando se é jovem, tudo é contestado e nada é aceito. Mas quando amadurecer, você vai perceber e sentir falta de Jesus no coração. Quando se é jovem, não precisa de Deus, porque acha que pode ter tudo. Mas quando envelhecer vai perceber que ele é a única coisa que importe. Não ligue para o que você acredite, você VAI mudar de idéia.

Seja o melhor de todos, mas saiba que sempre tem alguém melhor que você. Você acha que vai entrar no balé de Bolshoi ou concorrer ao Campeonato mundial de Karatê? Esqueça. Tem que ter o dom. A não ser que você SÓ faça isso. Se fizer, não pegue um livro ou procure saber de outra coisa. Não há tempo para pensar em besteira.

Salvar o mundo? Que piada. Ninguém consegue fazer isso. Gandhi, Hitler e Che Guevara não são seres humanos. Eles não existem, já que um ser humano não poder mudar o mundo, certo? Ganhe dinheiro e esqueça os pobres. Com o tempo tudo se resolve.

E por fim, você acha que o seu coraçãozinho tá quebrado por causa daquela menina? Pare de choradeira. Ela não é ninguém. Você é muito jovem para entender de amor. E não procure a fuga em drogas e bebidas. Você não sabe o que é ter problema de verdade.

Não concorda com nada que eu disse? Ah, esqueça. Você é muito jovem para isso.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Lead da Vida

Sou um carioca perdido em Brasília. Nascido em um berço de ouro a beira mar e crescendo na solidão que o asfalto brasiliense me causa. Tendo quatro irmãos, mas criado como filho único, aprendi a querer tudo e correr atrás do que posso. Meus pais eram como o preto e o branco, um era superprotetor e a outra superliberal. Como resultado disso tudo, me tornei um verdadeiro devaneador. E como um bom devaneador que saber escrever o que sente e pensa, me tornei um jornalista.


A primeira palavra que aprendi não foi “papai” ou “mamãe”, mas sim “mundo”. Amante da vida, as experiências me contam muito: voar de asa delta, fazer mergulho, viajar sozinho já foram prioridades atingidas. Absorver cultura sempre foi o meu objetivo, então livros e filmes sempre foram objetos principais na minha vida. O cinema pode ser a sétima arte, mas é a que vem em primeiro para mim. Dramas, comédias, terrores, clássicos, musicais e muitos outros estilos são de igual importância na minha coleção de filmes. De livros, já fui de clássicos como Odisséia de Homero aos mais queridos atuais como Marley e Eu de John Grogan. Já sai de livros essenciais como a Bíblia e entrei em livros importantes para a minha profissão, como Hiroshima de John Hersey.

O mundo, para mim, nunca foi grande demais. O Japão é logo ali e estamos no pé da Antártida. Toda cidade me é curiosa. Conheci várias capitais como Paris, Roma, Londres e Buenos Aires e todas me mostraram uma coisa em comum. Mostraram que eu preciso conhecê-las, entender como as pessoas lá vivem e como deixam de viver. Tenho sonhos e prioridades que me levam do Alasca ao Vietnã. Mas nenhum lugar me faz tremer de tanta vontade de conhecer como o Egito, que é meu objeto de curiosidade para mim desde que me entendo por gente. Com toda essa vontade e pressão interna por conhecer o mundo, me tornei facilmente adaptável e curioso por línguas e culturas diversificadas.

Então, Brasília é a base do meu vôo e o meu ar é a cultura. Minha casa de férias é a praia de Ipanema, e como um bom carioca (nomeação para quem nasce no Rio de Janeiro e também nomeação de um peixe da Baía de Guanabara), gosto de andar livre e à vontade, sair apenas para bater um papo e andar por locais desconhecidos. Sorrir é o mínimo e lágrimas de crocodilos me são dispensadas. A tristeza é usada para aprender e dizem que com o tempo, ela diminui (eu não entendi como fazer isso, se alguém puder, me explique). E como uma boa frase clichê me chama atenção, passo a todos esse conselho: Carpe Diem.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Banalização do futuro

Sexo, vida, gueixas, sultões, crenças, monalisa, música, macumba e samurais. Qual é a semelhança entre eles e de muitos outros que podem formar uma longa lista juntos? Todos foram banalizados. Banalizar é tornar algo banal ou rotineiro, mas é sabido que essa palavra, erroneamente, significa muito mais. Significa se tornar em objeto sem valor ou em um ato indigno de respeito. Apenas por ser rotineiro é sem valor? Acredito que não.

Muitas pessoas insistem que a sociedade de hoje não dá mais valor às coisas como antigamente. Pode ser, mas isso não indica que antigamente era melhor. O processo de banalização surgiu por causa da sociedade de informação. Quando mistérios, sejam eles sagrados ou não, caíram por terra, muitos começaram a criticar e se tornar críticos. Com isso, pessoas com mentes mais conservadoras estão se tornando em vilãs e não é para menos. O maior problema delas está  em não saber enxergar mais adiante. Se ampliarem a mente e entenderem porque algo se torna banalizado, verão que não isso é ruim. O desconhecido gera medo e repulsa, mas em um mundo onde conhecimento é poder (frase clichê, porém verdadeira), aquele que menos enxerga a realidade fica para trás. Então aspectos morais e sagrados acabam se tornando conservadores por impedir o avanço do conhecimento em suas áreas. Experimentar e ousar se torna uma parte importante do conhecimento.

A religião não era questionada e sim temida, funcionava mais. Mundos exóticos e diferentes não sobreviveram, ou estão morrendo, com a ocidentalização. Falar sobre os crimes que acontecem diariamente se tornaram menos relevantes do que o caso extraconjugal da vizinha ao lado. Muito ruim, certo?

As obras de arte são acessíveis para todas as pessoas de uma forma ou outra, mesmo aquelas que nunca nem sonharam em vê-las em vida. As explorações acontecem com menos facilidade, já que a “banalização” da lei trouxe direito maior a mulheres, negros, idosos e outras minorias. As pessoas têm mais liberdade para escolher o seu parceiro e o tempo que quer permanecer com o tal. Muito bom, certo?

Então como dizer que a banalização é algo ruim? Ao invés de tentar retroceder no tempo para que os novos problemas sumam, porque não arrumá-los usando o novo mundo de hoje? Falta preparação, aceitação e otimismo. Isso a nova sociedade não está formando com eficiência. E esse é um problema que as pessoas têm capacidade de solucionar. Criar um mundo melhor no lugar de banalizar um futuro que ainda não aconteceu é mais viável. Acredite nisso.