sábado, 5 de junho de 2010

Entrevista com o senador Cristovam Buarque

31/05/2010

Realizada por mim e pela Ana Paula Almeida no café dos senadores, dentro do plenário do Congresso Nacional.

O assunto principal era: Projetos educacionais modernistas propostos por Darcy Ribeiro e implementado na UnB.


Repórter - Darcy Ribeiro influenciou na sua vida profissional?

Cristovam - Muito. Eu acredito que entre as pessoas que fizeram a minha cabeça, tirando parentes, colegas, livros e diretores de cinema e de teatro, quatro foram muito influentes: Josué de castro, Darcy ribeiro, Celso furtado e Ignácio Sax, que foi o meu orientador em meu doutorado. Mas Darcy Ribeiro, de uma maneira muito especial, me influenciou na visão de universidade que tenho, que é muito diferente da que muitos tem por aí. Ele me influenciou na visão do Brasil como uma nação em busca de um futuro e, querendo construir pontes entre as nações-estados, ele me influenciou muito no respeito a outras culturas, nesta idéia de que não existe uma cultura superior a outra, respeitando índios e negros. Eu não tenho dúvidas que Darcy Ribeiro foi uma das influências mais marcantes na minha vida, no aspecto intelectual.



Repórter – O senhor concordava com os pensamentos idealistas de Darcy Ribeiro?

Cristovam - Eu não diria que ele é idealista se você for por definição. Idealista é aquele que pensa coisas que não tem contato com a realidade. Nas coisas de Darcy, havia muito contato com a realidade, a única diferença é que ele pensava à frente. Se há algum idealismo nele, se pensar corretamente, é o de ele ver na frente e não ver no presente. Neste sentido, ele era mais um utopista do que um idealista. A Universidade de Brasília é uma realização concreta, e não apenas ele fez, como também seu modelo de universidade começou a ser copiado em muitos lugares do Brasil e do mundo. Então, diria ele é um homem que via na frente, mas que não era desvinculado da realidade.



Repórter - O Darcy Ribeiro fez um discurso no dia da sua posse que era chamado “Universidade para quê?”. O senhor se recorda do dia? O que achou do texto?

Cristovam – Lembro... Eu até publiquei o discurso. Acredito que seja fundamental para todos. Começa no título. As pessoas não perguntam para que a universidade, perguntam apenas como fazer universidade. Como era óbvio que ela é necessária, ele mostrou porque ela é realmente necessária. Mostrou que é um lugar a onde a gente forma o pensamento superior. Ele mostra também como o ensino superior ajuda a formar a educação de ensino base, ajudar na economia, ajudar a sociedade e ajudar a cultura. Então ele mostrou para que a universidade e ao mostrar o para que, mostrou implicitamente o para não que a universidade. Como, por exemplo, ela é parte de uma elite intelectual. Hoje ela é uma elite para trabalhar para todos e não só para a própria elite, entende? A universidade é para quem hoje em dia a faz. Por exemplo, forma jornalistas que vão trabalhar apenas para reproduzir a mesma maneira de dar notícias. São muitos os que existem para descobrir escândalos da mesma forma que um garimpeiro descobre brilhantes.



Repórter – O senhor foi o primeiro reitor da UnB após a ditadura?

Cristovam – Sim.



Repórter – Havia algum projeto de educação de Darcy ribeiro implantado na UnB?

Cristovam – Sim. Veja bem, Darcy Ribeiro implantou vários projetos porque foi ele quem criou a universidade em 61. Só parou em 64. Aí houve uma interrupção que pudemos retomar em 85. Conseguimos retomar muitas coisas antigas e implantar muitas coisas novas, porque o mundo mudou muito neste período e mudou, ainda mais, nestes últimos 20 anos. Não recuperamos o desenho que ele tinha, sobretudo naquilo que eu chamei de “universidade na encruzilhada”, que não está no livro dele. A minha idéia é que a Universidade deve ser tridimensional, dividida por departamentos. Foi assim que o Darcy Ribeiro também pensou. A diferença é que defendo, também, que deve ser divididos por grupos temáticos, problemas, núcleo da fome, núcleo do Brasil, núcleo da energia. Esses núcleos são temas, profissões como engenharia, medicina e farmácia. Nesses mesmos núcleos você põe pessoas de profissões diferentes trabalhando nos mesmo temas. Eu por exemplo, agora eu dou aula não no departamento de economia, eu dou aula no núcleo de desenvolvimento sustentável que tem tanto pessoas de profissões bem diferentes como as de economia. Além disso, eu defendo que haja os núcleos culturais, como o núcleo dos poetas, dos tutores, dos músicos, etc. Na UnB tem um departamento de música com os profissionais da música e tem o núcleo cultural da música com os que tocam porque gostam de tocar. Nesse núcleo há engenheiros e médicos que tocam. Com isto cada pessoa pertenceria a vários núcleos. Essas pessoas podem ser representadas como um cubo. Isso eu implantei em 85, quando me tornei reitor. E está funcionando até os dias de hoje, mas foi abandonada. Não há uma manutenção, mas ainda existe um número muito grande de núcleos temáticos. Isto não estava na visão do Darcy Ribeiro, sendo uma contribuição completamente minha.



Repórter - Como o senhor avalia a UnB no momento em que se tornou reitor? E nos dias de hoje, acredita que ela evoluiu?
Cristovam - Veja bem, a UNB continua sendo uma grande universidade, mas hoje está numa crise profunda, como todas as outras universidades públicas. Creio que, por um lado, isso aconteceu porque a universidade pública não foi capaz e nem recebeu apoio suficiente para incorporar toda a demanda de jovens brasileiros que queriam entrar na universidade. A Universidade Brasileira ficou com o mesmo número de alunos durante décadas. Havendo uma pressão muito grande para criar vagas. A solução foi o surgimento dos cursos particulares que, por as Universidades continuarem a não aumentar suas vagas, cresceram ao longo do tempo. Nisso, a crise das Universidades aumentou, ainda mais por falta de dinheiro, e por conta de greves e mais greves, fortalecendo cada vez mais o ensino particular. O ensino particular surge da falta de vagas e se consolida com a insegurança de ser aluno das federais. A UnB está pagando um preço alto por isso.

Repórter - O engraçado é que as melhores faculdades do mundo são particulares e não públicas. Por que no Brasil é diferente?

Cristovam - No Brasil, o país tem uma minoria e uma maioria. O que é da maioria está abandonado e o que é da minoria está protegido. A Educação Pública é a abandonada, principalmente a educação de base, que é do povo. Criaram-se escolas particulares com educação de base. O estado dá subsídios para a Educação de base, descontado do imposto de renda. Quando foram criadas as universidades para o povo, ficaram sem vagas e aí tiveram que ir para as Universidades particulares, e esse é o maior problema. E da mesma forma que vale para a Universidade, vale pra saúde e vale pra tudo. Os outros países privilegiam a sua população em Geral.



Repórter - A ditadura Militar, além de interfirir no aumento de vagas, interferiu em mais alguma coisa?

Cristovam – A ditadura até aumentou o número de vagas, mas ela só expulsou quem não pensava como ela mesma. Então, perdemos muitos professores e alunos bons. Alguns foram embora de Brasília e outros foram assassinados, como o famoso caso do Honestino Guimarães, professor da UNB que desapareceu.



Outra repórter – a Ditadura, querendo ou não, parou com muita coisa; ela deu um freio em muitos pensamentos. Quando ela acabou, não só os alunos, mas o Brasil inteiro tinha aquela sede de mudança. Uma coisa muito nacionalista, muito intensa. Qual foi o desafio que o senhor teve ao assumir a reitoria? Pois o senhor tinha também que propor uma mudança...

Cristovam - O grande desafio a vencer era o corporativismo. É fato que, hoje, quando a universidade luta, luta por ela mesma e não pelo Brasil. Essa é a diferença do estudante de hoje para o estudante de antes. No meu tempo, a gente tinha varios ideais, queríamos lutar pela reforma agrária, pela independência e pelo desenvolvimento. Hoje, a universidade luta pelo salário.



Repórter - Hoje os jovens são desiludidos. Parece que as pessoas abandonaram todos esses ideais.

Cristovam - A culpa não é dos Jovens. A culpa é dos mais velhos que não formularam um ideal para que esta juventude acreditasse. Há também a desmoralização da política, que hoje fica restrita à corrupção e marketing. O Jovem cai na apatia ou na revolta, dos rebeldes sem calças.



Repórter - O senhor participou dos eventos e manifestações da UnB durante a ditadura?

Cristovam - Não, na ditadura eu não estava aqui, sou de Recife, me formei há muito tempo e morei nove anos fora do Brasil.



Repórter – Foi um exílio?

Cristovam - Não foi um exílio de ficar sem passaporte. Morei na França, onde fiz doutorado e depois fui trabalhar no Banco Interamericano. Depois morei no Equador, Honduras e nos Estados Unidos.



Repórter - Muito bem aproveitado este tempo, certo?

Cristovam - Sim, muito bem aproveitado. Não tenho o que reclamar desses nove anos. Depois eu resolvi voltar, não para Recife, mas para o que a gente chama de sul do país. Mas aí eu tinha um convite da Universidade do Rio de janeiro, da Universidade de Campinas e da Universidade de Brasília. Escolhi Brasília. Mas vim pensando em ficar dois anos e depois voltar para recife. Já fez trinta anos e ainda estou aqui.



Repórter – A sua posição política influenciou na sua gestão na UNB?

Cristovam - Claro. Agora se dissesse que isto me fez ficar optante lá, não. Dei apoio a todos. O que fosse bom professor teria o meu apoio, mas tenho uma visão própria do mundo e não poderia fugir disso. Por exemplo, a maioria era contra em abrir uma sede da UnB na Ceilândia, mas nós abrimos. Essa sede ainda tem curso universitário para extensão. Isso saiu também daquela idéia dos núcleos temáticos. Então é obvio que a minha visão política do mundo influenciou.



Repórter - Uma última pergunta. A visão de Darcy Ribeiro caberia na UnB hoje?

Cristovam - Exatamente igual não. As bases que Darcy Ribeiro tinha da universidade à serviço da população, da liberdade, sem preconceitos e multicultural cabem . Mas tivemos que adaptar. A UnB era uma Universidade muito nacional. Hoje não. Ela tem que ser internacionalizada. Ainda por conta da Internet. Agora, deixe eu me ir...